Ars Dogmatica

Pierre Legendre

A obra pressupõe o operário, mesmo se o separarmos do seu labor com a interposição da calculadora eletrónica ou do gesto metálico do robô desprovido de consciência. Se desaparecer o trabalho, que na verdade constitui o fundamento da nossa tarefa de existir, a humanidade do homem cairá em decadência.

Trabalhar, seja em que arte for, é assim, por princípio, autobiográfico. Os pintores, familiarizados com o autorretrato, encenaram-no, e essa verdade é válida para cada um de nós.

Vestibulum Artis

 

Num mundo, que bem poderia prescindir dele, o animal humano trava conhecimento com as estranhas figuras familiares, os seus pais. Os Anciãos, como pedagogos instruídos, referiam-se a um vestíbulo necessário na arte de educar. «Vestibulum artis» é ensinar aos jovens a gramática, o pôr em ordem as letras que compõem a sociedade das palavras, para dar vida à faculdade de falar.

 

            Aqui, o vestíbulo está representado pela fotografia duma criança, na idade em que lhe é ensinada a arte de posar como imagem. Efígie de si próprio, o retrato parece imobilizar o enigma de estar inscrito numa genealogia familiar. A cartada forçada, o enigma do destino, acha-se assim diante dos vossos olhos.

 

            Este rapazinho tornou-se para mim um antepassado. Tendo seguido tantos caminhos entrecruzados, a criança-com-o-cão nada mais é senão uma imagem de si desaparecida. Velhote, vejo-o a ignorar as razões da sua fraternidade com o animal que ele acariciava, esse cão-companheiro duma irmã falecida. Este emblema sibilino, que entrelaça a vida e a morte, ser-me-ia anedótico, se na verdade ele não fosse a marca da obrigação de residência fixa, numa transmissão ao mesmo tempo subjetiva e social.

 

            Eis, pois, o inaugural daquilo a que chamamos uma obra.

Tradução : Júlio Ribas

Emblème

Solennel, l’oiseau magique préside à nos écrits.
Le paon étale ses plumes qui font miroir à son ombre.
Mais c’est de l’homme qu’il s’agit :
il porte son image, et il ne le sait pas.

« Sous le mot Analecta,
j’offre des miettes qu’il m’est fort utile
de rassembler afin de préciser
sur quelques points ma réflexion. »
Pierre Legendre

« Chacun des textes du présent tableau et ses illustrations
a été édité dans le livre, Le visage de la main »

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